23 de out. de 2006

“Chinglês”

Antes de falar da cidade, das pessoas e das amenidades mil, vamos abrir um capítulo à parte: A LÍNGUA

Os pequineses, em geral, não dominam muita coisa além do mandarim. Quando encontro alguém daqui que “fala” inglês, entendo cerca de 60% do que a criatura diz. Isso com boa vontade, porque – convenhamos – é notória a dificuldade fonética dos asiáticos pras línguas ocidentais (e vice-versa, diga-se de passagem).

Situações patéticas? Várias. No primeiro almoço, num restaurante coreano, o cardápio era inlegível. Menos mal que vinha com as fotos de cada prato. A dinâmica era apontar pra figura, que a garçonete anotava o pedido. Ela também não tava neeeeeeeem aí. Trabalhava no piloto automático. Perguntei umas três coisas em inglês pra moça e, em todas as ocasiões, ela só assentia com a cabeça. Podia ser: “Que dia é hoje?”; “Qual seu nome?”. “Você tem três pernas?”. A resposta invariavelmente era “sim, sim, sim”.

A certo ponto, descansei. Passei a falar português mesmo: “obrigada”, “quero mais um”, “tá bom, chega”, etc. Português, inglês, francês, holandês, marcianês... Ali, dava tudo no mesmo. Descobri que o lance é ser pós-doutorado em mímica avançada.

Com o motorista, a mesma coisa. Começando pelo nome do sujeito. ‘Seu Lee’ foi assim apelidado porque ninguém conseguiu entender muito bem como ele se chama (fica feio perguntar o nome da pessoa 10 vezes seguidas, né?!). É todo simpático e prestativo, mas não fala nada mais além de "ok" e "no" em inglês.

No primeiro dia, entramos no carro e tava o maior calor. “Como pedimos pra esse homem ligar o ar-condicionado?”. Meu cúmplice, que arranha no mandarim, improvisou um “&$#*@!%!” com Seu Lee e, depois, virou pra mim, explicando: “Falei ‘frio’ porque é a única palavra que conheço. Não sei dizer 'ar-condicionado'”.

Nisso, Seu Lee faz aquela cara-padrão de “Ahhhh, capitei” com o movimento rápido de cabeça (o tal “sim, sim, sim”... Que, na verdade – já descobri – é a resposta espontânea dos chineses pra TUDO q você pergunta a eles). Mas, na hora, pensei: “Maravilha, o homem entendeu!”. Ele mete a mão no painel do carro, liga uns botõezinhos e o vento começa a soprar.

Tudo estaria perfeito não fosse porque os minutos passam e a temperatura começa a subir. “Esse homem ligou o aquecedor!”.

Meu cúmplice: “Que isso? Claro que não! É o sol que tá muito forte. Já, já esfria, você vai ver” (não sabe dar o braço a torcer).

Eu: “Não, ele ligou o aquecedor. Olha ali. Tá no vermelho, de calor”. (Claro: se alguém te diz que tem “frio”, o que você faz?).

Nisso, o calor aumentando e Seu Lee só olhando, discretamente, pelo retrovisor. Continuava dirigindo, disfarçadamente, à espera de um novo comando. Dá-lhe calor.

Meu cúmplice abre o dicionário, procurando qualquer coisa, enquanto eu já tentava “mimicar” com Seu Lee. Ele só assentia com a cabeça (deve ser um cacoete porque aquele homem claramente não entendia bulhufas do inglês). E o calor subindo...

Sem vislumbrar uma solução pra aquilo no horizonte, me lancei sobre Seu Lee (“Com licença, querido”) e mudei o termostato. Ele, feliz, fez outra vez, aquela cara de “Ahhhhhh”, concordando com a cabeça umas 15 vezes seguidas. Mas, agora, com alegria autêntica. Pudera. De terno e camisa social, tava pegando todo o sol, direto do pára-brisa, lá no banco da frente, enquanto os dois retardados, no banco de trás, riam e discutiam num idioma incompreensível. Como um autêntico chinês, não reclamava de nada. Devia só se perguntar: “Essa gente é retardada?”.

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Lap top

No quarto do hotel, chega o menino, empurrando o carrinho com o jantar. Abro a porta e ele diz: “&*%$@&$!”

Eu: “Sorry, I didn’t understand you...” (bem devagarzinho: so-rry-I-di-d-no-t-un-ders-tan-d-y-ou).

Ele, de novo: “$#%!&... lap top”, apontando pra mesa.

Eu tava mesmo usando um lap top, mas tava em cima de outra mesa, menor, cheeeeeia de papéis. Não era possível que ele tivesse dito lap top (até porque – convenhamos – pra quem sabe pouco de inglês, aquilo era vocabulário adiantado). Tento, então: “Desculpa. Não entendi de novo". E provo com duas alternativas: “Você quer colocar isso (a comida) em cima desta mesa? Ou quer deixar no carrinho?”.

Ele: “Yes”.

Percebeu o monólogo? Como achei que ele tinha um plano (por baixo dessa confusão aparente, acredito que são decididos), deixei o caminho livre. Sorrindo, já falei em português mesmo: “Fica à vontade, colega”. Estiquei uma mão, dando passagem e ele deu o jeito dele.

Refeição feita, começam as especulações sobre o lance do "lap top". Teria ele dito "leave on top" (da mesa)?

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Aloha!

No primeiríssimo contato com a população local, dias antes (do aeroporto pro hotel), idem. O motorista, dando as boas-vindas, disse qualquer coisa como “Aloha!”. Pensei: “Uau! Que senhor mais moderno! Aprendeu inglês havaiano, de surfista”. Respondo: “Hello!”, com a mãozinha levantada. E meu cúmplice: “We’re fine, thanks”. Olho pra ele sem entender nada. “Ein?”. Ele esclarece: “O motorista perguntou ‘how are you’?”. Ah, tá.

3 Comments:

At 29/11/06, Anonymous Anônimo said...

Naninha, vc tem que investir nesse seu lado cronista. É genial

 
At 30/11/06, Anonymous Anônimo said...

ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha

 
At 10/1/07, Anonymous Anônimo said...

Ju, estou rolando de rir aqui sozinho

 

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