30 de mai. de 2007

Privacidade?

Esse conceito só existe pra quem cresceu fora da China. Aqui, reina a convivência coletiva, agrupada, com poucas barreiras entre o "meu", o "seu", o "nosso". Talvez tenha algo que ver com os fatos históricos, a revolução cultural chinesa, a não-propriedade privada, os 1,3 bilhões de cidadãos... Só sei que é humanamente impossível explicar à massa local o porquê de querer manter um espaço vital nos moldes do ocidente.


Sempre que aparece um chinês desconhecido em casa, ele(a) entra, mexe em tudo, como se tivesse no próprio lar. Outro dia, um rapazinho, que veio entregar umas flores, não satisfeito com a posição de umas revistas jogadas em cima da mesa, foi lá. Empilhou tudo, ajeitou os quatro ângulos do montinho com as mãos e colocou um porta-retrato em cima. Ainda olhou pra mim, em seguida, e fez um “positivo” com o dedão, rindo, todo contente. Sem um dente da frente.

Aliás, já na minha primeiríssima semana de habitante em Pequim, fui brindada com uma “passagem bíblica”: Tinha marcado de estar em casa às 2:00PM para receber um “design” (superlativo otimista de ‘carpinteiro’) que viria tirar as medidas do quarto para fazer um armário. Me atrasei. Às 2:20PM, quando abro a porta DA MINHA RESIDÊNCIA, dou de cara com dois senhores chineses, completamente ambientados dentro DO MEU APARTAMENTO. Só faltaram dizer “entra, querida, fica à vontade que a casa é sua”. Ainda saí e olhei novamente o número na porta. “Sim, é o meu”. Enquanto eu tentava perguntar – em inglês, em vão – que diabos aqueles dois estavam fazendo ali, o chinês-chefe começou a gesticular e falar sem parar (Aqui, a moda é falar alto, berrar, se preciso for... E dizer a m-e-s-m-a frase umas 4, 5 vezes – como, se com a repetição, o estrangeiro passasse a entender mandarim). Vendo que o sujeito era incansável, lancei mão do clássico “uóóóó... diiing buuu... dong” (a frase do milhão: “escuto, mas não entendo (o que você tá dizendo)”). Pra ser mais clara, fiz também sinal de STOP e liguei pro lobby. Pedi ao porteiro, que falava um inglês rústico, pra subir e dar uma força.

Quando surge o porteiro, serelepe e faceiro, começa a fazer sua particular “tradução” (ao estilo do filme 'Lost In Translation': a conversa entre asiáticos é longuérrima. A tradução pro ocidental vem em forma de três - quando muito, quatro - palavras. E você finge que acredita, porque, senão... vai onde? Ao Procom?). Peço ao caro porteiro pra perguntar aos bons senhores chineses desconhecidos como eles dois entraram na minha casa... E pra resumir a ópera, o que aconteceu foi que - depois de muito aparentar que não me incomodava fazer cara de paisagem, enquanto assistia àquela particular discussão entre eles -, eu soube que um deles (o que tinha pinta de chefe) trabalha no Management Office do condomínio e tinha uma cópia da chave porque, até então, ele tinha sido incubido de mostrar o local aos potenciais inquilinos - apesar de que o aluguel daquele apartamento já estava sendo pago havia DOIS meses. Pra averiguar os fatos, o homem ainda me sugeriu que eu ligasse pro proprietário (que vem a ser um sueco, alheio a tudo isso, lá na Europa). Bom, “vamos encurtar isso, moço”. E esclareço: “Quero a chave de volta”. “Agora!” A contragosto, o porteiro traduziu meu 'gentil' pedido. E o homenzinho, ainda mais contrariado, relutou, relutou, mas acabou devolvendo a chave. Pra ficar tranquilo, me fez escrever um “recibo” num pedacinho de papel amassado, prontamente sacado do bolso: “I received the key of the apartment, signed: Juliana Vale”. Lembrando: era a chave DO MEU PRÓPRIO LAR (onde eu tinha passado as duas anteriores noites e por onde se viam espalhados todos meus pertences).

Mais tarde, nesse exato mesmo dia (foi um dia longo!) e ainda com a presença do porteiro-intérprete em casa, se apresenta o designer que, tinha vindo tirar as medidas do armário e vai – sozinho, sem maiores cerimônias –, pro meu quarto, fazer o trabalho dele. (Ah! Nisso tudo, você poderia se perguntar: “então, quem era o segundo chinês invasor, que acompanhava o dublê de corretor imobiliário?”. Pois é. Não sei, nem saberei jamais. Era um passante, um amigo, um parente, o namorado, sei lá. Estava por alí, se distraindo...). Ainda estava eu, me decidindo sobre pedir aos chineses-intrusos-sem-papel-definido para irem embora, dispensar o porteiro ou seguir o designer, quando me aparecem três (novos) chineses, todos uniformizados, que nem clones, para entregar uma mesa que tinha sido comprada na véspera. Antes que eu tivesse a chance de dizer “pode entrar”, o porteiro já se incorporou no papel de dono da casa e leva os três paus-mandados até o quarto. Não sem antes, parar ao lado de um das várias caixas de mudança que entulhavam o corredor e puxar alguns livros de dentro de uma dela (“Uau! Você lê muito!”). Na seqüência, se senta comodamente numa cadeira giratória e, enquanto rodopia alegremente, testando a qualidade do assento, atende o celular e começa, simultaneamente, a dar ordens aos homenzinhos uniformizados. O designer no quarto, sozinho. O chinês sem-papel-definido, irado, ao lado do porteiro, também dando ordens... A porta abre-se de novo (campainha pra que? Não tava trancada a chave... O pessoal não se faz de rogado). E era um técnico com seus quatro (sim, quatro) subordinados, que tinham vindo instalar a lava-louça. Primeiro, berraram comigo em chinês. Depois, me ignoraram e passaram a tratar com um dos entregadores da mesa – que, àquela altura, era outro íntimo do ambiente. Adentraram a cozinha e ainda chamaram, pelo interfone, mais dois engenheiros, que chegaram logo depois.

Perdi o controle da situação (se é que tive isso, em algum momento, depois das 2:20PM). Enquanto contabilizava 12 pessoas – completamente à vontade dentro da MINHA CASA –, me dei conta de que quem menos autoridade tinha ali era eu (pudera: só com o porteiro eu era capaz de me comunicar - e, mesmo assim, com frases curtas, sem artigo ou plural). Foi incontrolável. Virei as costas pra aquele falatório, entrei (sozinha!) no MEU banheiro e comecei a rir. Rir. Rir. Rir. Foi compulsivo. Olhava pro espelho e ria ainda mais. Sentei no chão e apertei a barriga com as duas mãos. Ria. Tive um acesso de riso irreprimível, involuntário. Não sabia se aquilo era real (os 12 homens ao meu redor, todos gritando, eu não captando porra nenhuma, o porteiro na cadeira, o funcionário da loja fazendo as honras da casa, aqueles dois com a chave do apt, o designer sozinho, perdido em outro canto...), ou eu tava sonhando. Sem internet, TV (aliás, nem cama tinha em casa ainda, naquela época), peguei o celular e disquei pro cúmplice. Antes de eu conseguir dizer alguma coisa, ele pergunta, preocupado: “Ju, você tá chorando? O que houve? Fala, Ju! Fala! Aconteceu alguma coisa?”. Não, era só eu, vivendo no meu reality show privado. Não conseguia parar de rir. Tinha até lágrimas – e aqueles roncos espontâneos que a gente dá quando ri demais. Parecia sob efeito de algum entorpecente. Finalmente, respireu fundo e consegui soltar: “Eu...tô...num freak show”.

E não sou a única

Uma amiga espanhola, que também mora aqui em Pequim há alguns meses, ligou pra contar que a professora de chinês (uma senhora na casa dos 50, curiosa e tosca como uma personagem em estado bruto) inventou de fazer uma visita durante o feriado. Minha amiga pensava que era pra se encontrarem e, dali, irem juntas a um mercado onde vendem jóias - porque a amiga é gemóloga e a professora, em outra ocasião, tinha dito que queria a ajuda dela pra comprar uns anéis. Mas não. A professora chinesa aparece na casa da amiga espanhola com três parentes (uma sobrinha, uma prima e o marido da prima!!!), mais uma filmadora – já ligada. Amiga abre a porta e dá de cara com aquilo. Os quatro eufóricos, falantes, adentraram com flores, bombons e duas garrafas de vinho. Não deram nem tempo pra amiga pensar em reagir. Já estavam filmando. Foram cômodo por cômodo. Até abriram as portas dos armários pra registrar dentro! E, depois de também tirar mil fotos e analisar detalhadamente cada objeto da casa – sempre exclamando “Que lindo! Que lindo!” –, se sentaram no sofá, com caras de estudantes comportados. A espanhola disse que ficou lá – meio desbundada, meio chocada – naquela situação de tentar puxar assunto com quatro estranhos que só mexiam a cabeça, concordando. Ou repetindo que o apartamento era lindo. Aí, ela pergunta: “Então? Aonde vamos?”. E eles: “Não, não. Não queremos molestar... Outro dia, quando você tiver tempo”. E tudo isso na base do inglês precário – através dos parentes da professora, que minha amiga nunca tinha visto mais gordos na vida. Antes que ela conseguisse descobrir “mas, então, vocês vieram só pra filmar minha casa?”, o povo se levanta, recolhe os pertences e vai embora. Assim como chegaram, sumiram. Opinei: “Amiga, ou era uma pegadinha e você tava aparecendo ao vivo na TV estatal, ou sua vida, agora mesmo, virou atração no bairro da professora: "Geeeente, olha só a linda casa da minha aluna rica!”.

29 de mai. de 2007

VIPs sequestrados

Da séria ‘só aqui na China’. Quem anda atualizado sobre Pequim sabe que está na moda o restaurante/bar/lounge Lan, do cultuado designer francês Philip Starck. Descrição rápida: Bem nouveau rich, o local ostenta 6.000 metros quadrados de uma decoração “peculiar”, que vai de pinturas a óleo a uma cabeça de rinoceronte, passando por móveis barrocos, luminárias Baccara e cadeiras de 25.000 dólares (cada) feitas por 10 artesãos (cada) durante um mês (cada). Como clientela, pessoas que se consideram a fina flor do jet set local.

Pensando em ver como essa fauna se comporta ao vivo, resolvemos celebrar o aniversário de um amigo italiano – de passagem pela China – lá. Era um jantar. Reservamos a mesa com uma semana de antecedência. E, no dia marcado (sábado), comparecemos.


Já na chegada, a coisa começou a parecer estranha. Antes d’eu encontrar o porque de um homem uniformizado ter vindo correndo abrir a porta do carro, já estava pisamos num looooongo e chamativo tapete vermelho, onde uma fila de mocinhas vestidas em traje de gala, dava “boa noite” (em inglês!) pra gente. Enquanto a horda de fotógrafos ia iluminando nosso caminho com flashes (foram definitivamente nossos 15 segundos de vida hollywoodiana), o aniversariante pergunta: “Vocês montaram essa sacanagem de propósito?”.

Na verdade, não. “É que hoje estamos tendo uma festa privada da Mercedes-Benz e da Grey Goose”, explica o rapaz da recepção, depois de se desculpar por não ter conseguido nos localizar pra antecipar a notícia (o telefone da reserva era o meu celular – que costuma ser ignorado durante o fim-de-semana). Feliz, ele avisa ainda que, como compensação, nos fez um “upgrade”. Ao invés do restaurante – onde o serviço a la carte tinha sido suspendido por causa do coquetel –, fomos destinados a uma sala vip reservada. Caras de bunda.

Se fôssemos chineses, estaríamos provavelmente radiantes com a notícia (porque, aqui na China, é chiquérrimo isso de comer em áreas reservadas). Mas, prontos pra ter uma experiência antropológica em meio aos novos ricos chineses, aquilo soou mais como um balde de água fria. Só não amargamos a decepção porque a fome era maior.

Sim. A sala onde nos colocaram era impressionante (especificamente uma dessas aí acima, na foto). No centro, uma mesa redonda, ao estilo medieval, com uns 2 metros de diâmetro. Ao redor, cadeiras – cada uma de um estilo diferente – todas com estofados de veludo e encosto alto. Coisa de monarca. As paredes, com cortinas e obras de arte. Uma espécie de pot-pourri de objetos de brechó – só que limpos, novos e com a assinatura Starck.

A comida? Medíocre. E o serviço, curioso. Menos mal que o vinho fez efeito. Passamos umas duas horas dentro daquela sala e sempre havia um chinês – com um sorriso estampado na cara (parecia que tinha levado um choque) – parado, como um dois de paus, esperando pelo seguinte comando. Você mal apoiava o copo na mesa, e eis que lá estava a mão do sujeito, esperando pra repor a bebida. Ele não entendia muito do que se dizia lá dentro. A frase-chave do rapaz era “sorry, my English...” (sim, com reticências no final). Devia estar achando uma aberração: quatro idiotas que se dobravam de rir com coisas que, para ele, pareciam absolutamente triviais. Pedimos pão (que precisou ser explicado com mímica, paciência, e várias repetições de leitura labial). Entender? Sim, ele entendeu. A palavra. Porque o conceito passou longe. O pão, que deveria ter vindo junto, ou antes da comida, com óleo e sal, sei lá, chegou no final de tudo. E era pão de forma (!!!!). Branco. Cortado em triangulos. Acompanhado de manteiga e marmelada. E apresentado como... sobremesa?!


Nem sei. Depois de ter visto as luzes irem diminuindo, diminuindo, até quase apagarem, no meio do jantar (situação prontamente seguida da aparição instantânea de outro chinês com sorriso estático que repetia "sorry, sorry") e ter comido com a sensação de estar participando de um reality show, já não fazia a menor diferença.


Rimos muito de tudo aquilo, ok. Mas, finalizado o festim, queríamos ver gente!!! Quando já estamos saindo da salinha 5 estrelas – nós, as mulheres, munidas de bolsa e batom –, eis que o chinês do sorriso estático nos freia e começa a indicar o caminho de volta. “Não, moço, eu quero sair”. Não podia. E o homenzinho, muito orgulhoso, nos mostra que dentro da ‘super sala’, a cortina escondia mais que obras de arte. Tinha um banheiro privativo! Desnecessário comentar o patético da situação. Ninguém estava, de fato, interessado em banheiro algum (mesmo que aquele – ¿como no? – fosse um autêntico toilete Philip Starck, cheeeeio de enfeites, uma privada refinadíssima, toalhinhas afrescalhadas, espelhos ao estilo Branca de Neves e o escambau). Entre tentar conter o acesso de riso (convenhamos: era tudo muito esdrúxulo pra um mero jantar) e não querer ferir os sentimentos do nosso garçom-anfitrião chinês, dissimulamos, conferindo o novo cômodo. Um dos presentes ainda emenda: "E se a gente subornasse esse cara pra ele nos deixar usar o banheiro de serviço? No caminho, a gente gastava o outfit, né?!".

Enquanto isso, o chinês, na posição onde estava, não via o que fazíamos lá dentro. Só escutava as risadas. Devia estar pensando: "Esses ocidentais são bem estranhos mesmo. Até vão juntos ao banheiro!".


No fim das contas, sim, conseguimos nos livrar do nosso cativeiro de luxo e nos juntar aos “mortais”. Mas não deu pra ver nada. Já era tarde e tínhamos que estar em outro bar, logo depois.

Pois é. Continuo sem saber como se comporta a fauna local. Por ora, só consegui dar a eles a oportunidade de ver quatro estrangeiros bancando os trapalhões.

27 de mai. de 2007

A versão fêmea de Mao

“Cara de um, focinho do outro”. Chen Yan, uma mulher de 51 anos é (com orgulho) a primeira sósia mulher de Mao Mao Tse-tung.

Incentivada por uma amiga cabeleireira, a senhora chinesa se transveste de Mao para treinar os dotes artísticos.


A produção sai cara. Embora tenha feições bem parecidas, ela precisa encarar uma sessão de maquiagem que custa nada menos que 2.000 yuans (uns 510 reais) por vez. E ainda mete uns incômodos sapatos – especiais, feitos à mão – com uma sola de 30 centímetros pra deixar Dona Chen mais parecida ao defunto soberano.


Ela também não era adepta da nicotina, mas aprendeu a fumar pra encarnar melhor o personagem - que vivia com um cigarrinho em punho.

O resultado, entretanto, é notável, ein?!?!


E você, que não mora aqui, deve estar se perguntando "Mas qual o porquê de tudo isso???" Ora, pipocas. Chineses a-do-ram quebrar recordes, ou serem reconhecidos por alguma façanha original.

No caso da senhora Chen, além de conquistar aqueles tais 15 minutos de glória (neste fim-de-semana, por exemplo, ela desfilou pela cidade de Mianyang, na província de Sichuan, tirando fotos com a multidão e saiu em vários jornais, inclusive no exterior), Chen pretende ser contratada por algum veículo de comunicação para interpretar Mao profissionalmente.


Detalhe: A China tem regras estritas para qualquer pessoa poder interpretar líderes políticos (vivos ou mortos). É preciso ter a aprovação da administração nacional de Rádio, Filme e TV e o consentimento dos parentes do líder em questão. A Chen tá na fila, claro.

fotos: Reuters

19 de mai. de 2007

Cadê?

Estou sentindo falta de ler um certo blogspot que não tem sido atualizado... Desde março!

17 de mai. de 2007

Preto 18, senhor crupiê!


Apostar é um esporte nacional na China. (Pudera. Com tantas superstições...) Mas é preciso saber quando, onde e – sobre tudo – como fazer sua fezinha. Os chineses acreditam que o mais mínimo detalhe pode alterar todas as circunstâncias. Por exemplo, nunca, jamais, sob hipótese alguma, faça apostas depois de cortar o cabelo, tomar banho, ter visto um macaco ou uma freira. Por quê? Não sei. Mas reza a lenda que tudo isso é desfavorável à sua sorte, colega. Se você tiver doente, idem: azar, azar, muito azar. Evite arriscar seus trocados durante esse período. Também está vetado falar sobre temas literários porque a palavra “livro”, em cantonês, soa “shu”, como o verbo “perder”. Outro mau sinal é contar o dinheiro enquanto ainda se está apostando. Não pode.

Pra atrair a sorte, os chineses têm métodos pouco ortodoxos como usar cueca ou calcinha vermelha (um campeão de preferência – percebeu?), trocar todas as luzes de casa antes de sair (peculiar, peculiar) e, se for mulher, esperar o período da menstruação (sem comentários). Quem aposta em cassinos é ainda mais meticuloso. Entre outras coisas, não entra pela porta da frente e só se hospeda em quartos com números favoráveis à fortuna - como 8, 18, 13, 168, 198 ou 798. Ah! Uma dica hilária: Se você tiver perdendo, pare o jogo e vá ao banheiro. Pra quê? Pra dar uma “aliviadinha” (leia-se fazer cocô) e, assim, “mandar embora o azar descarga abaixo”.

Místicos até debaixo d’água, os chineses também estão convencidos de que os números vencedores estão presentes no nosso cotidiano. Só precisamos saber interpretá-los. Por isso, adoram jogar em combinações como a placa do carro, a data do aniversário, a seqüência do telefone e por aí vai.

16 de mai. de 2007

"No creo en brujas, pero..."

Chineses são obcecados com superstições. Há umas engraçadas e várias, non-sense.

Números
Aqui, cada algarismo tem seu significado. Alguns são considerados positivos e atraem sorte. Outros, negativos, acarretam desgraças. O quatro – escrito 四 e pronunciado “” – é fatídico, porque soa como “morte” (死, “”). Rejeitado. Prova disso são os números de telefone com 4 bem mais baratos que os demais. Ou maioria dos prédios, que não tem determinados andares: 4°, 14°, 24°. Já o oito (八), pronunciado “”, é o campeão da preferência nacional. Rima com (“”, 发), que significa “ficar rico”. Na província de Guangzhou, no sul do país, celulares terminados com 8 são disputados a tapa. Podem chegar a custar até 5,000 yuans (uns 1.300 reais) a mais! O seis (六, “liù”) também é querido porque lembra (“”, 禄), que significa, a grandes rasgos, algo como “desfrutar da vida com dinheiro e alegria”. O nove (九, “jiǔ”), idem. Além de homônimo de 久 (“jiu”, perpétuo) – e, portanto, cifra da eternidade – é o número mais alto. Encarna supremacia. A arquitetura dos palácios antigos tinha sempre estruturas de nove – ou múltiplos de nove – pra ressaltar essa tal posição soberana dos reis e imperadores.

Cores
Cores igualmente ostentam personalidades próprias. Branco é a cor da morte. Amarelo, do paraíso – assim como a cor da roupa do imperador (filho do paraíso) e dos tetos dos templos. Vermelho, hours concours, significa sorte e prosperidade. Além de preencher a bandeira nacional, colore calcinhas e cuecas no dia de ano novo chinês. Os mais supersticiosos, aliás, se estocam de underwear vermelha pra passar o ano (inteiro) deles (ano do zodíaco chinês, digo), vestindo a cor favorita - dia após dia! Noivas chinesas tradicionais também se casam de vestido vermelho (embora já haja muitas que, globalizadas, preferem adotar o look ocidental, todo em branco).

Casamento
O tema 'altar' é pleno de crenças. Em determinadas províncias do interior, companheiros 3 ou 6 anos mais novo, assim como 3 ou 6 anos mais velho que a cara metade não podem selar o matrimônio. Dá azar. Ao mesmo tempo, aqui em Pequim, acredita-se no contrário: a combinação noiva-três-anos-mais-velha-que-noivo é muito boa; traz dinheiro para o casal. Antes de passar pelo vicário, os casais também se asseguram de que um menino (qualquer um: o sobrinho, o filho da vizinha, o neto da empregada) sente-se no leito matrimonial (os mais exagerados até fazem o garoto dormir uma noite lá, sozinho) pra garantir que trarão ao mundo um rebento macho (uma predileção absoluta na China, como bem se sabe mundo afora).

Gravidez
Outra “estratégia” adotada pelas mães chinesas para gerar meninos é comer tofu, cogumelo, cenoura e alface. Para ter meninas, picles, carne e peixe. E, ah!, uma vez grávidas, elas não podem uma série de coisas, como martelar pregos – que causaria deformações no feto –, usar colas ou materiais adesivos – propiciaria um parto difícil –; falar palavrão – amaldiçoaria o bebê –; ou andar descalça (não sei por que, sinceramente). Quando dão à luz, não recebem visitas de estranhos durante os primeiros meses. (fato verídico: uma conhecida, estrangeira, acabava de voltar do hospital e precisou de uma ajuda extra pra poder tomar água. O entregador do mercado se recusava a pôr os pés na casa porque sabia que ela acabava de ter um filho). E, ah!, o aspecto físico dos recém-nascidos também diria muito sobre a personalidade deles: “Cabeludos serão desobedientes”. “De orelhas grandes e grossas, viverão uma existência próspera”.

Nascimento
Um detalhe crucial sobre rebentos é quando pari-los. Podendo escolher (e os chineses, de fato, escolhem!) programa-se a data para um ano favorável. Este ano – do porco dourado – é uma maravilha. Combina um animal ok e um elemento ideal, o ouro. O ano do dragão, idem. É sempre um bom ano: as taxas de natalidade costumam duplicar nesse período. Já anos de ovelha e tigre são menos populares. Ovelha porque costuma ser associada à submissão, fragilidade. E tigre porque é considerado um animal violento, que caracterizaria pessoas de personalidade difícil. A exceção – machista como manda a tradição local – é feita no caso dos meninos-tigre. Se machos, ok. Agressivos, mas “valentes”, “enérgicos”, “viris”. Agora: meninas-tigre.... Ui, ui, ui... Uma maldição em família. Na China, o ideal feminino ainda é uma mocinha recatada, obediente e bonitinha.

Nomes
Coisa, aliás, que se vê muito pelos nomes chineses. A alcunha do povo aqui quer dizer bem mais que um mero chamativo. Cada nome leva impressa a expectativa dos pais em relação aos seus herdeiros. Entre os masculinos, por exemplo, abundam adjetivos varonis como 勇 "Yǒng" (corajoso), 亮 "Liàng" (brilhante), ou substantivos pesados do naipe de 军 "Jūn" (exército). No campo feminino, imperam as amenidades: 丽 "Lì" (bonita), 欣 "Xīn" (alegre) ou 悦 "Yuè" (também alegre, feliz). Fico imaginando o trauma que isso deve gerar quando a criança cresce e não é exatamente tão “lì”, ou tão “liàng” como se esperava...

Aniversário
No dia de soprar velinhas, além do ritual cantado em chinês (“Zhu ni sheng ri kuai le...”), os chineses fazem questão de que você coma cháng shòu miàn (o “macarrão da longevidade”: 长寿面) – que pode, na verdade, ser qualquer macarrão ao estilo noodles, contanto que seja longo. Quanto mais comprido, melhor. Sabe o nosso tradicional desejo de “muitos anos de vida” ao aniversariante? Aqui, eles desejam o mesmo de uma maneira mais criativa: “Que sua vida seja tão extensa como esse macarrão!”. Pra não fazer feio, em tempo: é mal-educado abrir o presente assim que recebe ("porque, se você não gostar, não precisa dissimular" - a honestidade da minha professora!). Não se deve embrulhar o presente em papel branco (a cor da morte, lembra?). Nem é recomendável presentear as pessoas com relógios ("porque remete ao fim"). E, em família, também rola um carinhoso ovo cozido no café da manhã. Presente que os aniversariantes, hoje em dia, podem não apreciar tanto, mas surgiu em épocas passadas, quando o país sofria a fome.

Ano novo chinês
Tão importante como a celebração do dia do aniversário do sujeito é o início do ano dele no zodíaco. A virada do “ano novo chinês” (que oscila entre 20 de janeiro e 18 de fevereiro, de acordo com o primeiro dia de primavera no calendário lunar) é a data recorde em questões supersticiosas. Não há ocasião mais cheia de recomendações e proibições. Exemplos: não varrer o chão no dia de ano novo chinês - isso varreria sua sorte pelo ano todo; não cortar o cabelo durante o primeiro mês - morreria o tio materno (coitado do barbeiro!); não dar bronca ou castigar as crianças - porque, se elas começam o ano chorando, chorarão o ano todo. Na lista do “deve”, comer um peixe inteiro - porque a palavra “peixe” (鱼, pronunciada “”, da mesma maneira que “extra” (余)) simboliza fartura... aliás, repare: muitas pinturas chinesas têm peixes como destaque. É o típico quadro – cafona – que eles fazem questão de pendurar na parede da sala. Outra regra é espalhar o símbolo 福 (“”) – felicidade – pela casa. Sempre em pedacinhos de papel vermelho. E sempre de cabeça pra baixo, porque o mesmo símbolo, invertido, significa “chegar”. E, na lógica chinesa, 1 + 1 = 2 e “” de ponta cabeça quer dizer “a felicidade chegou”!

Pout pourri
de pirações chinesas
Estranhas, mas habituais por aqui, também são as manias de deixar sempre um restinho de comida no prato “pra ter o que comer no futuro”; bater na porta do quarto de hotel (vazio!) "pra demonstrar respeito pelos espíritos que habitam o local"; dar descarga assim que fizer o check in "pra mandar embora as más influências"; andar sempre com uma pedrinha de jade - aquela verde, preciosidade em abundância na China. Custa caro, mas todo mundo que se preza por aqui ostenta um bracelete, um brinquinho, um pendente no cordão, qualquer coisa com jade. Acredita-se que jade traz fortuna e espanta os maus espíritos. E mais: a cor da jade pode variar com o tempo. Claaaaaaaro que os chineses têm uma interpretação para cara ocorrência: Se a sua escurecer, você ficará rico. Se clarear, ficará pobre. (percebeu a obsessão com dinheiro?!)

No ramo ‘decoração do lar’, nem vou entrar. Basta lembrar que o feng shui foi criado pelos chineses e é levado muito a sério por aqui.

E as coisas que você não pode fazer nem em sonhos? Depois de um enterro, voltar diretamente pra casa. "A alma do morto pode te perseguir". Durante a refeição, espetar os pauzinhos na comida. "Isso recorda os incensos acesos aos mortos". Apoiar a chaleira na mesa com o bico apontado pra alguém. "Faz entender que você tá desejando a morte dela". Cortar as unhas à noite. Atrairia fantasmas (por que será? Fantasma chinês gosta de chulé?). Deixar as meias ou os sapatos ao lado da cama, durante a noite. Ajudaria aos maus espíritos a te encontrarem. Usar calcinhas ou cuecas com seu nome. Pela mesma razão: "os fantasmas já saberiam como te chamar" (só ficou a dúvida: Eles lêem em qualquer idioma? E quando vêem “Calvin Klein” na cueca? Se confundem?). Presentear o(a) namorado(a) com sapatos. "Eles (os sapatos) poderiam ser usados pelo ser amado para fugirem de você" ( cruel!). Usar bigode. "Dá azar". De fato. Responda rápido: Quantos chineses você já viu de bigode por aí?

14 de mai. de 2007

Churrasquinho de Mao Tsé-tung

O mundo inteiro viu... Menos quem só lê os jornais chineses. A imprensa daqui não deu, mas o fato é que sábado um chinês atirou um coquetel Molotov contra O retrato de Mao Tsé-tung, na Praça Tiananmen (ou "Praça da Paz Celestial"), em frente à Cidade Proibida.

Pra traçar um paralelo, esse "pequeno" vandalismo, na China, é mais ou menos tão grave como seria, aí no ocidente, o de cuspir na cruz do Vaticano, em Roma. Ou pichar a estátua da liberdade, em Manhattan, NY. Capici?

As agências de notícia estrangeiras imediatamente deram a notícia, citando testemunhas oculares, chamas enormes no retrato de Mao (uns 3 X 6 metros) e guardas (há centenas deles patrulhando Tiananmen) enlouquecidos, tentando apagar o fogo, que já lambia a lateral esquerda da foto. Toda a área foi isolada e cercada por agentes policiais. Mega movimentação, que, em qualquer lugar do mundo, seria digna de manchete em primeira página. Em qualquer lugar menos aqui, claro. A mídia chinesa permaneceu calada, sem soltar um pio a respeito. Só no dia seguinte, a agência New China rompeu o silêncio... pra anunciar que o autor do gesto tinha sido preso.

Chinês, 35 anos, interiorano (da cidade de Urumqi, no noroeste do país), ele atende pelo nome de Gu Haiou. Ou atendia. Gu Haiou não teve a chance de se apresentar ao mundo. Só sabemos que o protesto dele coincidia com o aniversário do histórico massacre de Tiananmen (que começou com uma greve de fome dos universitários e trabalhadores, em abril de 1989, virou uma macro-manifestação apoiada por centenas de milhares de pessoas, reivindicando democracia. E acabou, como já se sabe, com a repressão do exército entre as noites de 3 e 4 de junho – quando aquele homem desarmado enfrentou os tanques).

O resto? Bom, Gu Haiou certamente não está num hotel cinco estrelas, desfrutado de massagens e banho quente. Deturpar a imagem de Mao é delinqüência grave por aqui. Haja visto o caso do jornalista chinês Yu Dongyue. Naquele célebre maio de 1989, em plena protesta popular, ele resolveu jogar ovos contra o mesmo alvo. Foi condenado a 16 anos de prisão e só saiu ano passado, completamente enlouquecido, sem dizer lé com cré.

Já a foto de Mao... Está intacta e impoluta. Quem passa agora mesmo por Tiananmen não vê nem rastro do fogo de sábado. O gigantesco retrato do soberano foi devidamente substituído por uma cópia (segundo testemunhas, num brevíssimo espaço de menos de 20 minutos!). Aliás, dado curioso: existem várias reproduções da mesma imagem. Todas feitas a partir do original, pintado em 1950. Rola um rodízio permanente. Razão pela qual a foto do homem está sempre impecavelmente limpa apesar da notória poluição de Pequim.

9 de mai. de 2007

Etiqueta social

Cuspiu, pagou. A partir desta semana, o governo chinês instituiu uma nova regra cívica: quem cospe no chão, aqui em Pequim, é multado. A idéia é ir treinando o pessoal com lições de etiqueta pra “inglês ver”. Até as olimpíadas de 2008, as autoridades esperam que os cidadãos abandonem hábitos como o de escarrar, gritar em público ou jogar lixo no chão.

Mas não pense você que eles mesmos vêem esses modais como falta de educação. Não, senhor. Cuspir é quase sinônimo de saúde. Quando querem ejetar saliva, o normal é que limpem bem o pulmão com aquele sonoro “rrrrrrrrrrrrrrrrr” – que vai dragando catarro, pigarro e demais mucosidades do fundo da alma. Quem já veio à China sabe: Entre os chineses também não é um problema, por exemplo, arejar os gases, arrotando. Mulher, homem, criança. Se sentiu travado, bota pra fora e segue em frente. Com a mesma naturalidade com que também tiram meleca. A qualquer hora do dia ou da noite, sem constrangimentos. No trânsito, sempre que você olha pro carro do lado, encontra alguém com o dedão enfiado no nariz. Diz um amigo: “É a poluição. O ar sujo produz mais meleca!”. Aliás, um clássico chinês é a unha gigante do mindinho. Estilo Zé do Caixão – sabe como? 99,9% dos motoristas locais deixam a garra crescer. Mas só no mindinho. E eu ainda me perguntava: “Por quê? Tá na moda?”. Foi uma amiga que acabou com minha ingenuidade: “Hello-oo! É pra tirar a cera do ouvido!”. Falando nisso, decidimos lançar um produto novo: Cotonetes em forma de mindinho. Já vêm com a unha longa incluída. Não é perfeito? Os caras não precisam manter a manicure. Podem cortar a unha real e comprar nosso cotonete. Vários deles! Pra deixar um no carro, outro no banheiro... Vamos ficar ricas ;-)

E, sir vous plâit, chéri, não faça essa cara de nojo. Aqui na China, estamos em outra latitude do planeta. Outro mundo, outras regras. Nojento por essas bandas são outras coisas. Como comer queijo, por exemplo. A visão e o cheiro de um queijo embrulham o estômago de muitos chineses. Especialmente se for um daqueles queijos franceses com mofo, como gorgonzola, roquefort, brie, camembert. Quase vomitam.

E furar fila? Pode?

Pode, não. Assim como cuspir, sujar a rua ou berrar, desrespeitar a fila nas paradas de ônibus também está na mira das novas multas pequinesas. O “Escritório de Assuntos Civis de Pequim” (singelo o nome, não?!) é o responsável pela patrulha. Desde semana passada, cinco equipes de inspeção do “Departamento de Administração” e do “Departamento de Promoção de Civilidade de Pequim” (atenção aos títulos!!!) estão vigiando o centro da cidade, atrás dos “infratores”. A famosa praça Tiananmen e redondezas são as aéreas mais controladas. Foi por lá onde, segundo a agência de notícias Xinhua, mais de 50 chineses já foram multados porque estavam "mau vestidos", ou se recusaram a eliminar seus “maus hábitos”. Além de aplicar essas multas – de 50 yuans (cerca de 13 reais) cada –, as equipes de vigilância também distribuíram 10 mil sacos para resíduos e colocaram diversos cartazes sobre o que não fazer em pontos turísticos, estações de trem e hotéis. Segundo Zhai Weihua, responsável pelo Comitê de Civilização no Espiritual do Partido Comunista da China, a campanha em prol de “condutas cívicas” é “uma tarefa de longo prazo”. E que venham os 550 mil estrangeiros esperados para as olimpíadas!

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