29 de out. de 2006

Churrasquinho de escorpião

Reza uma lenda urbana que, certa vez, uma senhora passeava por Chinatown, em Nova York (há distintas versões), quando viu um cachorrinho à venda. Brincou com o animal, simpatizou, pediu o preço, pagou e só pediu ao vendedor que guardasse o novo mascote por mais meia hora, enquanto ela terminava o passeio. Na volta – surprise, surprise! – o cão já estava embalado. Cortado em fatias, com molho agridulce e enrolado em papel de açougue.

Acho que carne de cachorro realmente consta no cardápio dos chineses, mas ainda não vivi a “emoção” de prová-la. Agora: já encontrei, lá nos mercados de rua do centro de Pequim (como o Donghuamen Yeshi, no bairro de Wangfujing), os famosos espetinhos de besouros, larvas, escorpiões, gafanhotos e cavalos marinhos (sim, leu bem! CAVALO MARINHO, minúsculos), tudo no palito. Eca. O pior é que os bichos (menos os marinhos, óbvio) estam VIVOS, SE MECHENDO! Todos já devidamente espetados (tipo os de salsichão em festa junina – sabe como?), só esperando o cliente escolhê-los para irem parar num balde de óleo fervendo – de onde eles saem “crocantes e gostosinhos”, direto pro estômago do freguês. “Diliiiiça”, né?!



Para os apocalípticos de plantão: Tranqüilidade, minha gente. Toda essa fauna no espeto está do outro lado da “barreira invisível” que separa a galera dos olhos puxados e a dos olhos arregalados. Se você é gringo, não vão te empurrar os insetos como tira-gosto. Só se você quiser. O que não falta em Pequim são restaurantes de outras nacionalidades. E bons restaurantes. Além de ter comido no melhor indiano de todos os tempos, provei – e aprovei – um monte de tailandeses, coreanos, mongóis (onde servem “churrrasco mongol”, feito ali na sua mesa... Ai, nhaaaaaaaaami)

Pirataria consciente

Há quem veja na pirataria uma forma de boicote ao imperialismo das grifes famosas. Outros, uma ajuda às famílias de baixa renda. O certo é que, em Pequim, ninguém precisa de desculpa pra comprar sem nota fiscal. A pirataria está mais que institucionalizada.

Existem mercados (leiam-se galpões) - como o Xiu Shui Market - onde vendem CD, DVD, objetos, roupa, sapato, mala, bolsa, carteira, assessórios, relógios, jóias... TUDO falsificado. De Armani a Prada, todas as marcas estão ali.

E tem até uma espécie de "mostruário" extra-oficial com as fotos dos produtos (que não estão expostos). Você escolhe o que quiser à la carte. O vendedor some por cinco minutos e, quando volta, já reaparece com o tal artículo debaixo do braço. In-crí-vel. Parece roteiro de um filme clandestino.

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A qualidade?

Ah, malandro. “La calidad soy yo”. Mas, como consolo, fica a máxima de uma amiga: “Ao invés de uma calça dessas que me duram a vida inteira, compro cinco que rendem duas temporadas. Pago o mesmo e tô sempre divina de la muerte!”. Se precisava de um pretexto, já tem. Boas compras!

Calculadora é power

Sim, há vendedores que falam inglês (retifico, “chinglês”) em Pequim. Mas são minoria - especialmente no Silk Market e mercadinhos de pirataria do mesmo gênero. De qualquer forma, isso é apenas detalhe. O idioma não interfere tanto no processo de compra. Chinês tem alma de comerciante (se duvidar, faz negócio até usando a língua dos surdos-mudos) e sabe improvisar. Quando falha a fala, eles sacam a calculadora.

A calculadora é o objeto mór, ali na Pechincholândia.

Você nem abre a boca. Basta olhar pra alguma coisa, que o vendedor – ou vendedora – se mete na sua frente (passa por baixo do balcão, dá a volta, rodeia você, se joga pela lateral do reduzido espaço, se duvidar, até se liquidifica e ressurge – que nem assombração – a um palmo de distância do seu nariz) e apresenta a cifra em digital. Com a maquininha, eles indicam os valores – flutuantes – dos produtos. E não adianta fazer cara de ‘não, obrigado’!

O sujeito– ou a sujeita – não se dá por vencido assim facilmente. Move aqueles dedinhos pequenos freneticamente em cima da calculadora. Em dois segundo, estica o braço na sua direção, apressado, e reapresenta a cifra digital. Não gostou? Pois, de novo. E de novo. E de novo. A calculadora quase batendo pino e o indivíduo ali, com a língua de fora, os dedinhos impacientes, quase tendo uma convulsão. Vale tudo pra não te deixar ir embora sem abrir a carteira.

Pechinchar é o verbo

Os preços dependem de vários fatores. Dependem do seu look, do seu papo e da sua disposição pra fazer teatro. Claro: porque não existe compra sem regateio. Num processo padrão, o vendedor parte com um preço absurdo; logo abaixa; faz cara de bravo; quase chora de desilusão; acende um isqueiro do lado da bolsa (ou mala, carteira, jaqueta, o que for) pra mostrar que aquilo é "couro de verdade"; estica o tecido pra provar que não rasga; muda de tática se você parecer um pouco assustado; fala "em voz alta" que você é um negociador sabido; sorri; conta histórias; te segura pelo braço; te olha candidamente; diz que você é lindo(a); pede uma moeda do seu país pra coleção particular dele; pergunta se quer tirar uma foto com ele... Um artista.

Aliás, se você não quiser comprar nada, o melhor é nem chegar perto. Encostou na barraquinha, já era. Se pegar alguma coisa na mão, aí, meu amigo, prepare-se. É como se você tivesse declarado, de maneira muda, que gostou daquele ítem e está disposto a negociar. Em teoria, só falta acertar o preço. O vededor mais safo já nem aceita que você devolva o produto. Não pega de volta. Se você colocá-lo em cima da banca, ele te entrega o troço de novo. E fica naquele rame-rame: “100 yuans... Se quiser um desconto, faço por 90... Gostou? Vai levar? 70, vai... Vai, leva... Olha que lindo! É a sua cara... Como não vai levar? Não vai levar por que? Olha aí... Leva, vai... 50 yuans, agora. Tá na mão... Faço por 40, meu último preço... Peraí! Volta aqui, moça... Tá bom, eeeeeeeeeeei, paga 10... Aqui, ó... ei, moça, ei, ei. Vem cá,vem cá, volta aqui!”

27 de out. de 2006

Massagem na alma

Você abre as revistas dirigidas aos estrangeiros, aqui em Pequim, e dá de cara com duas, três, quatro páginas, inteiras, dedicadas à publicidade de massagens. Tem de tudo: blind massage, foot massage, massagem ayurvedica, massagem tailandesa, tui na, aromaterapia, massagens à base de ervas, de leite, de gengibre, green highlights, acupuntura... O cardápio é extenso.

Resolvi provar a mais básica de todas: foot massage (reflexologia nos pés – que é super tradicional aqui na China e na Índia). A teoria é estimular as “zonas de reflexo” – determinadas terminações nervosas, em especial nos pés, mãos e orelhas – pra descolar um efeito benéfico em outras partes do corpo. A prática é você quase babando de satisfação. Enquanto aquele homem apertava meus pés, senti os olhos pesaaados, o corpo ia se desintegrando lentamente. Eu não conseguia nem falar. Tava em êxtase. Se aquilo não era o paraíso, garanto: estava na ante-sala do Éden.

Boas notícias à classe proletariada

Sabe aquela vida hedônica com a qual você sempre sonhou (eu, sim), mas nunca pôde levar porque o bolso não correspondia às exigências? Aqui, ela é possível.

Existem incontáveis spas em Pequim. E tem pra todo tipo de budget (testei um, por exemplo, onde uma hora e meia de BOA massagem custavam módicos 110 yuans – equivalente a uns 30 reais – nada mal).

A maioria dos spas – como o Bodhi (recomendação de uma amiga – aliás, ¡mil gracias, Lyla!) – tem diversas salas, adaptadas pra uma, duas ou várias pessoas (você decide se quer fazer massagem sozinho(a) ou acompanhado(a)). A decoração é sempre ao estilo oriental com umas cascatinhas de água, cortinas meio transparentes, algumas plantas, aquela musiquinha de “natureza” ao fundo. E mais: se você quiser, leva seus DVD’s. Tem uma TV privada em cada sala. Também estão incluídos no preço diversos belisquetes (salada de fruta, mini sanduíches, sucos naturais, etc). É só pedir, que eles te trazem. Como se você fosse um Bwana swahili!

Enfim. Se os médicos, os taoístas, budistas, mestres de ioga, experts em artes marciais, concubinas e mil criaturas mais avalam os efeitos positivos da massagem, quem somos nós pra discordar?

Ficou só faltando provar a blind massage. Tem fama de ser incrível porque os massageadores cegos seriam “naturalmente aptos” pro trabalho manual, já que estão acostumados a sentir o ritmo natural do corpo – ou algo assim. Viva o hedonismo!

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Um pouco de sapiência

Todas as massagens chinesas estão baseadas na teoria jing luo: o corpo é uma série de canais - os "meridianos" - que transportam o sangue e o (energia). Massagear esses canais e manipular determinados pontos faz com que o qi flua corretamente e os órgãos se regulem. Libera o sistema respiratório e o digestivo da pressão interna e restaura a harmonia yin/yang do corpo. Pra aqueles na última fila que já estão com os braços levantados, prontos pra desqualificar esta pseudo-ciência, um conselho: relaxem e aproveitem. Uma massagem bem feita pode equivaler a uma passagem pro nirvana.

Em tempo: O mercado de “saúde e beleza” na China está super explorado. A receita gerada por esta indústria ronda os 168 bilhões de yuans (uns 44 bilhões de reais) anuais, segundo a Câmara de Comércio do país. Excelente, pessoal! Conte comigo pra aumentar essa cifra. Serei uma serva fiel à seita.

Como dizia, os contrastes...

Aqui, parece ser tudo "8 ou 80". Quando é luxo, é um luxo descomunal (nunca fui tão bem tratada num hotel como neste). Os ricos ostentam mesmo. Estão incondicionalemnte orgulhosos do que conseguiram acumular.

Agora: Quando é a vez da pobreza, sai debaixo. Ainda não consegui descobrir se é simplicidade, ou se o que falta é infra-estrutura mesmo (tendo a crer que é o segundo, mas, por experiência - um marroquino me passou um sermão, por isso, certa vez - vou levar em conta a possibilidade de não estar à altura pra entender os critérios/gostos de culturas que não conheço bem).

De qualquer forma, uma imagem vale mais que mil palavras. Reparem no banheiro aí em cima. É o típico WC chinês dos locais públicos, como pontos turísticos. Ao vivo, fica ainda pior porque o cheiro condiz com a estética.

Traduções toscas

Essa saiu na Folha: As autoridades chinesas têm se desdobrado para tentar erradicar o "chinglês" das placas bilíngües que se tornaram obrigatórias em Pequim, para facilitar a vida dos visitantes que forem ao país por causa dos Jogos Olímpicos de 2008.

Traduções toscas do chinês são muito comuns na cidade, criando situações inusitadas. Foi o caso de um folheto distribuído a turistas que os convidavam a visitar o Parque das Minorias Étnicas. Na versão em inglês o local foi chamado de
Racist Park (Parque Racista).

Em estradas, é comum uma advertência para o motorista tomar cuidado com a pista molhada. Em inglês, porém, o asfalto ganhou vida, e a placa diz que "a pista escorregadia é muito astuta".


26 de out. de 2006

Tudo igual

Sabe essa mania que ocidental tem de achar que asiático “é tudo igual”? Um tapa com luva de pelica:

Perguntei à menina da agência imobiliária que está me ajudando a achar casa em Pequim qual é a origem do proprietário de um apartamento me interessou. “Hummm. É italiano... Não. Acho que é alemão. Ou é italiano?”. Ficou na dúvida.

Se eu não tivesse passado 10 dias seguidos com ela – e tivesse atestado como a mocinha é metódica, organizadíssima e super competente no que faz – acharia que é meio avoada. Porque, convenhamos, pra quem vive do lado oeste do mundo, confundir um italiano com um alemão é difícil.

Mas, eis que, dias depois, surge ela com a resposta: “O cara é sueco”.

Moral da história? "Esse pessoal de olho arregalado é tudo igual"!

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Amigos étnicos

Já levava quase duas horas dentro daquele maldito shopping – almoço, café e uma busca surreal por óculos graduados (que, aliás, depois conto como acabou!). Durante todo aquele tempo, só tinha cruzado com residentes de Pequim ao estilo mais puro: feições asiáticas e um chinglês incompreensível. Eis que, entre uma batalha e outra pra entender o povo, vejo dois rapazes e uma menina ocidentais, andando no corredor. Tava exausta, mas agi por impulso. Levantei a mão, esbocei um daqueles sorrisos de alegria genuína e dei um tchau todo animado. Fui prontamente retribuída na mesma moeda. Eis que meu cúmplice olhou pra eles, olhou pra mim, outra vez pra eles... Me perguntou, sem entender nada: “Vocês se conhecem?” hahahahahahahahaha. Não! A verdade é que não tenho i-d-é-i-a de quem eram aquelas pessoas (nem vice-versa). Mas é instantâneo. Você tá lá, no meio de um monte de gente fisicamente diferente, sem conseguir se comunicar com eles, na maior luta. Quando vê um ocidental qualquer (paraguaio, aborígene, finlandês, vale qualquer um), tem a sensação de que está reencontrando um primo-irmão.

Back to the future

Como todo mundo sabe, a Ásia tem os relógios na frente, em relação ao resto do planeta. Com Barcelona, a diferença é de seis horas (com o Brasil – região sudeste – são nada menos que 11 horas!). Foi nessa defasagem temporal que uma amiga começou a conversa pelo telefone, ontem: “Oi! Tô ligando do passado”.

“Me chinese, you western”

Exotismo na China é ser western (como nós todos somos classificados por estas bandas – brasileiros, suecos, bolivianos, australiano... tudo no mesmo saco). Olhos redondos destoam bastante por aqui. Se forem azuis, então... Prepare-se. Você vai aparecer nas fotos de muitos turistas locais.

Um colega alemão que também está de mudança pra cá contou que saiu na rua com o filho, de um ano e meio – um menininho loiro, cabelo quase branco, tooodo clarinho – e ele virou a sensação da calçada. Os chineses se aproximavam, olhando impressionadíssimos pro guri. As crianças chinesas inclusive vinham tocar o alemãozinho. Não deviam estar entendendo nada. “Papi, quem é esse plutanês???”

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E.T. Phone Home

Tô quase captando como se sente um extraterrestre na terra. Enquanto nós – ocidentais – investimos (muito) tempo e paciência nos grelhando na praia (aí), aqui, abre qualquer solzinho de nada e as mulheres piram. Empunham sombrinha, vestem um casaco, botam chapéu. NINGUÉM quer ser moreno, não! Isso é sinônimo de caipiragem. Só interiorano tem a pele queimada. O jet set urbano, chique mesmo (“da hora”), ostenta orgulhoso uma pele de porcelana. L'avez-vous compris, mon cheri?

MSN Messenger mascarado

Um amigo que anda lendo sobre as aventuras (pum, poluição) daqui, mandou isso:

Ri tanto...

Peido grupal

Impressão só minha ou, de quando em quando – assim, do nada –, nas ruas de Pequim, bate uma marola fétida?

No início, pensei q era pum. Pum humano mesmo. “Sei lá, ué. Com tanta gente circulando (e comendo essas coisas que sabe-se lá como acabam, depois de digeridas), vai ver, são flatulências coletivas”, pensei. Mas não é possível. É possível? Tanto pum assim não dá, né?!

Tô trabalhando com outras hipóteses, agora. Passei a especular com a poluição do ar mesmo. Será que é isso? Ou as muitas obras, material de construção, encanamento rachado. O cheiro vem daí? Será? Muito lixo transformado em gases. Não sei. Só sei que o odor rola. E como rola. Não é paranóia do meu nariz!

Deadline pra gringo ver

Sabia que em julho de 2007, TODAS as construções em Pequim têm que parar? Ou acabam antes do prazo, ou suspendem os trabalhos – até o final das olimpíadas. Decidiu o governo chinês (aliás, amistoso, não? A linha deles é sempre esta: “ou vai ou racha”, pra tudo). Querem que o ar da cidade esteja mais “limpo”, antes da grande data. E calcularam que, pra isso, vão precisar de um ano sem obras na metrópole.

Realmente, só assim mesmo, porque Pequim nunca teve uma política séria de proteção ao meio ambiente. Carece de árvores, flores, brisa marinha, montanhas no horizonte, céu azul, coisas assim. Aliás, deve estar na lista das urbes mais poluídas do planeta. Tem MUITA poeira, guindaste, escavadeira, britadeira; ninguém faz coleta seletiva do lixo; os engarrafamentos homéricos rolam diariamente; a frota de carros tá engolindo as bicicletas paulatinamente – inclusive dá muito mais status dirigir motores potentes que pedalar –; a maioria dos edifícios é super iluminado – alguns têm até “show” de luzes noturnas –; nos hotéis de luxo o consumo energético é o mesmo dos tempos de Mao; os 15 milhões de habitantes veneram o consumismo e a estética urbana da megalomania... enfim, consciência ecológica zero.

Mesmo assim, o governo chinês tá empenhado em promover esses tais "Jogos Olímpicos Verdes", em 2008. Como futura residente deste “enorme canteiro de obras”, agradeço. Até agora, tive a impressão de que desenvolvimento sustentável não é um conceito exatamente em voga por estas bandas.

Tudo é força, mas só a China tem poder

Embaixo da janela de um dos apartamentos que visitei (pra alugar), tinha uma obra - uma extensão enorme, colossal, mas sem um único metro de altura levantado. Me lamento com a corretora: “Morar em cima de uma construção, não dá!”

Ela: “Não se preocupe. Quando você vier pra Pequim, isso já será um lago”.

Eu: “Ein?”

Um lago.

Pergunto: “Daqueles com água, peixes?”.

Ela não entende nada. “É”

Me desculpo e aclaro: “É que lá de onde eu venho, só Deus faz lago”. E, mesmo assim, só durante aqueles sete primeiros dias da criação. Hoje em dia, nem a linha nova do metrô o Cara consegue agilizar.

24 de out. de 2006

Chinglês II – “Ô, missão”

Já é dureza entender que “gunimori” significa good morning (bom dia), “souzan” é thousand (mil), “marréupiu?”, may I help you? (posso ajudar você?) e "gud" é cold (frio). Mas, pior que isso, é perceber que você também está embarcando nesse trem.

Pra facilitar a comunicação, pouco a pouco, a gente vai se adaptando ao estilo dos chineses. Ao invés de dizer “the sky is blue” (o céu está azul), já olha pra cima e solta: “sky blue” (céu azul).

Aquela famosa lição de inglês pra iniciante (“the book is on the table”), aqui, deve soar a sofisticação lingüística. Eles encurtariam logo: “book table”. E ponto. Até porque, em chinês mandarim, a coisa vai, mais ou menos, pelo mesmo caminho.

Adeus preposições, artigos, verbos de ligação e “detalhes” deste naipe. Bem-vindo ao chinglês uga-buga de Pequim!

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“Relaxar e gozar”

Virou um lema. Com isso, já estou em plena forma. É o abdominal do riso. Trabalha muito a musculatura!

E outra vantagem: Sabe aquelas baixarias de peão de obra? Aqui, não ofendem. Ontem, passei em frente a uma construção e a ‘classe obreira’ já começou a soltar as abobradas-padrão. Me acompanhava uma chinesa (corretora que tava mostrando uns apartamentos pra alugar). A moça andou mais rapidinho e ficou meio brava. Olhei pro povo, falando “&^%#@#@” e fiquei ATÉ CURIOSA pra saber o que tava sendo dito. Quem diria...

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A síndrome do ping pong

Lembra daquele filme Lost in Translation, da Sofia Coppola, com a Scarlett Johansson? Me sinto Bill Murray - só que em Pequim.

Não é que seja difícil entender uma conversa entre eles. Difícil é alemão, turco, polonês. Chinês é impossível: “tandí-tchu, nová ro-olom piní-macssassi, rai-lam sanchichimã, rôôda xipi”.

Foi esperando humildemente a tradução (em várias ocasiões - e sempre com aquela cara de “mas ein?”), que comecei a comparar a comunicação na China às partidas de ping-pong. Enquanto eles conversam animadamente, você fica lá, movendo a cabeça: direita, esquerda, direita, esquerda... O personagem A fala, o personagem B responde. E você estuda meticulosamente a linguagem não-verbal de ambos pra ver se consegue, pelo menos, saber quando vai haver uma pausa.

O pior é quando eles riem. Você ri também? Fica sério? Pede uma tradução rápida (e ri depois)?

Tenho rido de mim mesma, como nos programas de câmera oculta.

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E esperando o tradutor?

Eu e um chinês (àquela altura, já conhecido, até) estávamos esperando o tradutor, que tava bem atrasado. Numa situação dessas, quando as pessoas têm um idioma em comum, normalmente um puxa um papo-furado com o outro: "Calor, né?! Tá quente..."; "Pois é. Esse tempo tá louco!". Mas... E se ele não entende o que você diz (nem vice-versa)? Pior que péssimo.

Primeiro, você olha pro céu (daquelas olhadas looongas, bem demoradas, pra ver se o tradutor chega nesse ínterim). Depois, passa a mão no cabelo. O chinês também disfarçando. Você abre a bolsa e vasculha o interior, fingindo que não encontra alguma coisa que está procurando (puro teatro). Na seqüência - e o tradutor não apareceu ainda! -, você passa o olhar rapidamente pelo chinês (que sorri amarelo, pra manter o clima) e finge que agora está limpando a blusa - aquela poeirinha providencial que surge na mente de quem precisa. Você espana, arranha, quase escova a blusa, arranca o botão... e nada do maldito traidor, digo tradutor.

23 de out. de 2006

“Chinglês”

Antes de falar da cidade, das pessoas e das amenidades mil, vamos abrir um capítulo à parte: A LÍNGUA

Os pequineses, em geral, não dominam muita coisa além do mandarim. Quando encontro alguém daqui que “fala” inglês, entendo cerca de 60% do que a criatura diz. Isso com boa vontade, porque – convenhamos – é notória a dificuldade fonética dos asiáticos pras línguas ocidentais (e vice-versa, diga-se de passagem).

Situações patéticas? Várias. No primeiro almoço, num restaurante coreano, o cardápio era inlegível. Menos mal que vinha com as fotos de cada prato. A dinâmica era apontar pra figura, que a garçonete anotava o pedido. Ela também não tava neeeeeeeem aí. Trabalhava no piloto automático. Perguntei umas três coisas em inglês pra moça e, em todas as ocasiões, ela só assentia com a cabeça. Podia ser: “Que dia é hoje?”; “Qual seu nome?”. “Você tem três pernas?”. A resposta invariavelmente era “sim, sim, sim”.

A certo ponto, descansei. Passei a falar português mesmo: “obrigada”, “quero mais um”, “tá bom, chega”, etc. Português, inglês, francês, holandês, marcianês... Ali, dava tudo no mesmo. Descobri que o lance é ser pós-doutorado em mímica avançada.

Com o motorista, a mesma coisa. Começando pelo nome do sujeito. ‘Seu Lee’ foi assim apelidado porque ninguém conseguiu entender muito bem como ele se chama (fica feio perguntar o nome da pessoa 10 vezes seguidas, né?!). É todo simpático e prestativo, mas não fala nada mais além de "ok" e "no" em inglês.

No primeiro dia, entramos no carro e tava o maior calor. “Como pedimos pra esse homem ligar o ar-condicionado?”. Meu cúmplice, que arranha no mandarim, improvisou um “&$#*@!%!” com Seu Lee e, depois, virou pra mim, explicando: “Falei ‘frio’ porque é a única palavra que conheço. Não sei dizer 'ar-condicionado'”.

Nisso, Seu Lee faz aquela cara-padrão de “Ahhhh, capitei” com o movimento rápido de cabeça (o tal “sim, sim, sim”... Que, na verdade – já descobri – é a resposta espontânea dos chineses pra TUDO q você pergunta a eles). Mas, na hora, pensei: “Maravilha, o homem entendeu!”. Ele mete a mão no painel do carro, liga uns botõezinhos e o vento começa a soprar.

Tudo estaria perfeito não fosse porque os minutos passam e a temperatura começa a subir. “Esse homem ligou o aquecedor!”.

Meu cúmplice: “Que isso? Claro que não! É o sol que tá muito forte. Já, já esfria, você vai ver” (não sabe dar o braço a torcer).

Eu: “Não, ele ligou o aquecedor. Olha ali. Tá no vermelho, de calor”. (Claro: se alguém te diz que tem “frio”, o que você faz?).

Nisso, o calor aumentando e Seu Lee só olhando, discretamente, pelo retrovisor. Continuava dirigindo, disfarçadamente, à espera de um novo comando. Dá-lhe calor.

Meu cúmplice abre o dicionário, procurando qualquer coisa, enquanto eu já tentava “mimicar” com Seu Lee. Ele só assentia com a cabeça (deve ser um cacoete porque aquele homem claramente não entendia bulhufas do inglês). E o calor subindo...

Sem vislumbrar uma solução pra aquilo no horizonte, me lancei sobre Seu Lee (“Com licença, querido”) e mudei o termostato. Ele, feliz, fez outra vez, aquela cara de “Ahhhhhh”, concordando com a cabeça umas 15 vezes seguidas. Mas, agora, com alegria autêntica. Pudera. De terno e camisa social, tava pegando todo o sol, direto do pára-brisa, lá no banco da frente, enquanto os dois retardados, no banco de trás, riam e discutiam num idioma incompreensível. Como um autêntico chinês, não reclamava de nada. Devia só se perguntar: “Essa gente é retardada?”.

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Lap top

No quarto do hotel, chega o menino, empurrando o carrinho com o jantar. Abro a porta e ele diz: “&*%$@&$!”

Eu: “Sorry, I didn’t understand you...” (bem devagarzinho: so-rry-I-di-d-no-t-un-ders-tan-d-y-ou).

Ele, de novo: “$#%!&... lap top”, apontando pra mesa.

Eu tava mesmo usando um lap top, mas tava em cima de outra mesa, menor, cheeeeeia de papéis. Não era possível que ele tivesse dito lap top (até porque – convenhamos – pra quem sabe pouco de inglês, aquilo era vocabulário adiantado). Tento, então: “Desculpa. Não entendi de novo". E provo com duas alternativas: “Você quer colocar isso (a comida) em cima desta mesa? Ou quer deixar no carrinho?”.

Ele: “Yes”.

Percebeu o monólogo? Como achei que ele tinha um plano (por baixo dessa confusão aparente, acredito que são decididos), deixei o caminho livre. Sorrindo, já falei em português mesmo: “Fica à vontade, colega”. Estiquei uma mão, dando passagem e ele deu o jeito dele.

Refeição feita, começam as especulações sobre o lance do "lap top". Teria ele dito "leave on top" (da mesa)?

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Aloha!

No primeiríssimo contato com a população local, dias antes (do aeroporto pro hotel), idem. O motorista, dando as boas-vindas, disse qualquer coisa como “Aloha!”. Pensei: “Uau! Que senhor mais moderno! Aprendeu inglês havaiano, de surfista”. Respondo: “Hello!”, com a mãozinha levantada. E meu cúmplice: “We’re fine, thanks”. Olho pra ele sem entender nada. “Ein?”. Ele esclarece: “O motorista perguntou ‘how are you’?”. Ah, tá.

22 de out. de 2006

Do teórico ao prático

Estou em solo pequinês! Vim, por 12 dias, pra fazer um “reconhecimento do terreno”, alguns contatos e pra achar um apartamento. Primeiras impressões? Várias. Mas o cansaço é enorme e o tempo, curto. Prometo posts para os próximos dias.

11 de out. de 2006

Pra entrar no clima

Semana que vem, farei minha primeira incursão à terra de Mao. Como de intregrar-se se trata, aprendi DUAS frases em mandarim:


Em chinês, isso soaria mais ou menos assim: “wo jiao Juliana” (me chamo Juliana), “wo shi ba xi de ji zhe” (sou uma jornalista brasileira).

Mas a verdade é que posso perfeitamente estar dizendo “sou de marte”, “quero um cachorro frito, por favor”, sem saber. Foi um ocidental, que estuda chinês há pouco mais de um ano, quem me ensinou. E tudo bem que “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, mas, se o mandarim é realmente tão difícil quanto parece, capaz de o rapaz ter inventado qualquer história só pra ostentar sapiência. Nisso, tô eu aí, repetindo as lições com cara de boba-alegre, crente que tá abafando.

5 de out. de 2006

Pequim, aqui vou eu

Por dois anos, a partir do ano que vem. E tá batido o martelo!

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O mundo em dois blocos

O mais engraçado é ver a reação das pessoas quando você diz “vou me mudar pra China”. Há dois claros grupos:

O primeiro é das pessoas que dizem coisas como “Uau! Que experiência interessante! Que aventura, blablabla”.

O segundo, dos que te olham com cara de pena (cabeça ligeiramente inclinada, olhos lânguidos) e perguntam “Mas por quê?”. Ou diretamente querem saber “China?!?! Tá maluca?!?!?!?!”.

A melhor foi uma amiga americana, de San Francisco, que só saiu dos Estados Unidos pra ir à Itália. Quando dei a notícia “Meu próximo endereço será em Pequim!”, a menina não tinha reação. Só aquele sorrisão amarelo (acho que ficou sem jeito – grupo 2). Depois de um breve silencio, encontrou o que dizer: “At least, you’re gonna be the tallest!” (pelo menos, você vai ser a mais alta).

Um amigo em comum, que estava ao lado e acompanhou a cena, quis contrabalancear o clima: “Liga não. Essas são pessoas que, quando dizem que querem levar uma vida ‘selvagem’, deixam de tomar os comprimidos de vitaminas no café da manhã”.

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PS: Pra quem chegou agora, esta blogueira que vos escreve se propõe a contar as impressões em primeira pessoa sobre a vida na China. Mais uma experiência em terras estrangeiras. Há seis anos, trabalho em Barcelona, na Espanha. Antes, teve também França (um ano, com um breve intervalo passado na Itália) e Califórnia/ EUA. Jornalista, pra manter a vida nômade, escrevo pra revistas e jornais do Brasil e da Espanha. Espero que gostem do conteúdo. Comentários serão bem-vindos! Comentários, críticas, sugestões, palpites, fofocas, sessões de auto-ajuda...

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